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Controle da milícia não reduz taxa de homicídio em bairros, diz Fogo Cruzado

quinta-feira, setembro 29, 2022

/ by Jornal Destaque Baixada

Os bairros da Região Metropolitana do Rio com alta presença da milícia apresentam uma taxa de homicídios dolosos muitas vezes maior do que as áreas onde a milícia não é o grupo armado dominante. Na média, a taxa de homicídios em bairros com predominância das milícias, entre 2006 e 2021, foi de 218,3 mortos a cada 100 mil habitantes. Em bairros com predominância do tráfico, a taxa ficou em 210,5. 

O levantamento inédito feito a partir do cruzamento de dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) com o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, produzido pelo Instituto Fogo Cruzado em parceria com o GENI/UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense) mostra que, entre 2006 e 2021, os bairros onde o Comando Vermelho apresentou hegemonia - presença alta - registraram taxas de homicídios dolosos menores que os bairros onde as milícias registraram presença alta, média e baixa. Isso pode significar que, na prática, o método de atuação dos milicianos não deixa as regiões mais seguras.



A análise comparativa entre as taxas de homicídios em áreas dos dois maiores grupos armados do Rio de Janeiro – Comando Vermelho e milícias – surpreende. Ao longo de toda a série histórica, as áreas do CV apresentam um padrão claro. Nos bairros onde há presença da facção, quanto maior a sua hegemonia, menor a taxa de homicídios dolosos. Com a exceção do triênio de 2012/2014, as áreas de alta presença do CV apresentam as menores taxas de homicídio, inclusive em comparação com as áreas de milícias. Da mesma forma, exceto pelo primeiro triênio 2006/2008, as áreas com domínio baixo do CV, e provavelmente mais suscetíveis a disputas com outros grupos, apresentam as maiores taxas de homicídios dolosos.

O mesmo padrão não se repete nos bairros marcados pela presença predominante de milícias. Na média, a taxa de homicídios em bairros com domínio baixo de milícias é mais alta do que a das áreas com domínio médio e alto – e também a segunda mais alta comparando também com as áreas do CV – mas, em três momentos, as taxas de homicídios em áreas de domínio alto ou médio de milícias a ultrapassam. Em 2013/2015 e 2016/2018, a taxa de homicídios em áreas de alto domínio das milícias superou as áreas de baixa dominação desse grupo. Em 2015/2017 o mesmo aconteceu com a taxa de homicídios nos bairros de domínio médio.

O gráfico acima pode parecer complexo ao apresentar várias linhas, mas na verdade ele leva a uma conclusão bastante clara. Ao comparar milícias e facções do tráfico, não existe um mal menor. Ambos os grupos impõem uma rotina de violência para os moradores e frequentadores das áreas que eles controlam. “Essa evidência é muito importante levando em consideração que, muitas autoridades já defenderam as milícias como uma solução de enfrentamento ao tráfico que supostamente reduziria os níveis de violência nos seus locais de atuação. Os dados além de comprovarem que isso não é verdade, demonstram também que a violência letal nas áreas de milícia não advém apenas das disputas com o tráfico. Ao contrário do que ocorre com o Comando Vermelho, mesmo em áreas onde as milícias são altamente hegemônicas, muitas vezes as taxas de homicídio são significativamente mais altas do que em áreas controladas pelo CV”, afirma Maria Isabel Couto, diretora do Instituto Fogo Cruzado.

Operações policiais e mortes por intervenção de agentes

As tendências apontadas nas taxas de homicídio apresentadas acima não parecem orientar a distribuição de operações policiais, identificadas pelo GENI/UFF, e nem refletem a letalidade causada pelas ações de agentes de segurança do estado, registradas pelo Instituto de Segurança Pública. Observada a proporção de operações policiais em bairros com predominância de cada grupo armado entre 2006 e 2021, fica clara a alta concentração em áreas do Comando Vermelho (65%), seguido por milícias (13%), TCP (11%) e ADA (11%).



Ao longo de toda a série histórica, a proporção de operações em áreas do Comando Vermelho nunca foi inferior a 59%. Nos anos mais recentes, cabe destacar o crescimento relativo de operações em áreas de milícia, saindo de 9% em 2015/2017 para 22% em 2019/2021. Esse período coincide com o de crescimento vertiginoso das milícias.

A proporção de mortes por intervenções de agentes do Estado (MIAE) segue tendência quase idêntica a das operações. Entre 2006 e 2021, 65% das mortes causadas em confrontos com agentes do estado ocorreram em bairros de predominância do Comando Vermelho, seguido por bairros com preponderância de domínio das milícias (17%), do TCP (11%) e da ADA (7%).


Chacinas

A tendência de distribuição de chacinas em operações policiais, identificada pelo GENI, reflete de forma quase idêntica àquela das operações e das mortes por intervenção de agentes do estado em geral, com uma pequena diferença. Os bairros onde há predominância do Comando Vermelho têm maior concentração de chacinas (61%) e as áreas da ADA (9%), a menor concentração. Mas milícias e TCP empatam na segunda colocação (15%).




“Não me parece coincidência que o padrão de distribuição das operações policiais, das mortes por intervenção de agentes de estado e das chacinas policiais seja muito próximo. As operações policiais são as situações em que a letalidade policial acontece e, quando essa dinâmica é ainda mais brutal, testemunhamos mais uma chacina. Por outro lado, o fato deste padrão se direcionar preferencialmente para o tráfico é preocupante porque o efeito é que as milícias se beneficiam”, diz Daniel Hirata, coordenador do GENI/UFF.



Por fim, é interessante destacar a distribuição de chacinas fora de ações ou operações policiais. Desde que o Instituto Fogo Cruzado passou a operar na Região Metropolitana do Rio, em 5 de julho de 2016, apenas 25% das chacinas registradas – uma em cada quatro – não aconteceram em ações e operações policiais, sendo provavelmente resultantes de conflitos e disputas entre grupos criminosos. As chacinas fora de ações e operações policiais não apresentam apenas um número reduzido, mas também padrões de distribuição diferentes.

Independente do grupo armado observado, a proporção de chacinas policiais é maior do que a de chacinas fora de operações. No entanto, há grandes diferenças. Comando Vermelho e Terceiro Comando Puro registraram, respectivamente, apenas 14,4% e 16,6% das chacinas em suas áreas fora de operações policiais. Em seguida, aparece a ADA com 40% e as milícias com 47,9%. Ou seja, enquanto nas áreas do CV e do TCP a esmagadora maioria das chacinas ocorrem em operações, nas áreas de milícias há quase um equilíbrio.

O Mapa

Há mais de quatro décadas, amplos espaços da Região Metropolitana do Rio de Janeiro estão sob o domínio de grupos armados. Seria esperado que as autoridades elaborassem um mapa mostrando quais são os grupos armados que dominam enormes espaços do estado e onde eles atuam. Essa informação é fundamental para o planejamento de ações de combate à expansão da violência urbana e para o desenvolvimento de uma política de segurança pública eficiente. Mas esse mapa nunca foi produzido pelas autoridades e este é mais um sinal do vazio de informações qualificadas que caracterizam a longa tradição da gestão pública no estado. Ou seja, explicam o porquê e como chegamos a esta situação.

É nesse contexto em que se insere a parceria entre o GENI e o Fogo Cruzado para a produção do Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro.

Para a construção do Mapa foram analisadas mais de 689.933 mil denúncias coletadas através do portal do Disque Denúncia que mencionavam milícias ou tráfico de drogas entre 2006 e 2021, que permitiram traçar o movimento histórico de domínio de facções e milícias, sobre mais de 13.308 sub-bairros, favelas e conjuntos habitacionais da região metropolitana do Rio de Janeiro.

Metodologia deste Levantamento

Este levantamento foi realizado através do cruzamento de informações do Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro com dados do Instituto De Segurança Pública – homicídios dolosos e mortes por intervenção de agentes do estado –, do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da UFF – operações policiais e chacinas policiais – e do Instituto Fogo Cruzado – chacinas dentro e fora de operações policiais.

A análise dos dados do Instituto Fogo Cruzado foi feita diretamente a partir do georreferenciamento dos casos e do seu cruzamento com sub-bairros, favelas e conjuntos habitacionais. Já os dados do ISP e do GENI estão organizados na escala de bairros e por isso, foi necessário proceder com uma análise de graus de presença de grupos armados nesta escala.

Para determinar o grau de presença em um bairro, o levantamento leva em consideração dois fatores. Primeiro, se no bairro há apenas áreas dominadas por um grupo, ou se há também outros grupos. E, segundo, a porcentagem do bairro sob domínio dos grupos armados. Nesse sentido, bairros com alta presença de algum grupo são aqueles que em geral apresentam parcela significativa do seu território dominado por apenas um grupo. Enquanto bairros com baixa presença tendem a ser aqueles onde há presença de dois ou mais grupos e/ou onde uma pequena parcela do território encontra-se dominada. A partir desses dois elementos, os bairros que possuem áreas dominadas por grupos armados foram classificados de acordo com a presença alta, média ou baixa do grupo dominante nele.

Sobre o fogo Cruzado 

O Fogo Cruzado é um Instituto que usa tecnologia para produzir e divulgar dados abertos e colaborativos sobre violência armada, fortalecendo a democracia através da transformação social e da preservação da vida.

Com uma metodologia própria e inovadora, o laboratório de dados da instituição produz mais de 20 indicadores inéditos sobre violência nas regiões metropolitanas do Rio, do Recife e de Salvador.

Através de um aplicativo de celular, o Fogo Cruzado recebe e disponibiliza informações sobre tiroteios, checadas em tempo real, que estão no único banco de dados aberto sobre violência armada da América Latina, que pode ser acessado gratuitamente pela API do Instituto.

Sobre o grupo de estudos dos Novos Iegalismos

O Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF) é um grupo de pesquisa registrado no diretório de grupos de pesquisa do CNPq e especializado em temas associados às diferentes formas de violências e os conflitos sociais. O GENI-UFF se beneficia de estar sediado na Universidade Federal Fluminense, cuja centralidade na formação de recursos humanos é reconhecida em nível nacional e internacional. Neste espaço tão rico de formação e pesquisa na área, o GENI-UFF vem desenvolvendo projetos de pesquisa que envolvem discentes e docentes provenientes dessa rede institucional da UFF. Também é fundamental para o GENI-UFF a participação em redes interinstitucionais com outros grupos de pesquisa sediados em diferentes universidades brasileiras.
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